segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

MENSAGEM OU MENSAGITATMOLEM




P O R T U G A L - oito letras - M E N S A G E M

“mens agitat molem” (Virgílio, Eneida, 6, 727) – “Mensagitatmolem”
O espírito move a massa (matéria), isto é, a inteligência domina as forças físicas.

  Mensagem é uma coletânea de poemas breves, escritos entre 1913 e 1934, ano da sua publicação. Revela o caráter épico e místico de Pessoa e deveria ser lida simbolicamente pelos iniciados do esoterismo. A obra divide-se em três partes:
·       Brasão (“bellum sine bello”: guerra sem guerra) – Retrato heráldico do Portugal antigo através do brasão nacional. Divide-se em cinco partes: “Os Campos”, “Os Castelos”, “As Quinas”, “A Coroa” e “O Timbre”. Remete para heróis míticos ou lendários como Ulisses, Viriato, o conde D. Henrique, D. Afonso Henriques, D. Dinis ou D. Sebastião.
·       Mar Português (“possessio maris”: a posse do mar) – Narração épica dos feitos oceânicos dos portugueses (o apogeu da pátria). Portugal desafia o mar ignoto e triunfa sobre a Distância que, em sentido literal, é a descoberta dos caminhos marítimos da Ásia e da América. Porém, em sentido figurado representa o cumprimento de uma missão religiosa (ou esotérica) simbolizada pela cruz das velas das naus. Esta parte foca personalidades e acontecimentos dos Descobrimentos como o infante D. Henrique, Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, o Adamastor ou o sofrimento do povo português.
·         O Encoberto (“pax in excelsis”: paz nas alturas) – Contém poemas de índole profética e sebastianista e divide-se em três partes: “Os Símbolos”, “Os Avisos” e “Os Tempos”. Refere-se à nostalgia da grandeza perdida, ao presente de sofrimento, de mágoa, que é preciso mudar e ao sonho de um império espiritual. A mudança, anunciada por símbolos e profecias, tornaria Portugal numa grande potência a nível mundial, quer no plano material (como no passado) quer espiritualmente – o Quinto Império.
     Chamou-se Quinto Império ao sonho mítico do Padre António Vieira (1608-1697) segundo o qual Portugal, através de D. João IV (1604-1656), consumaria a realização do reino universal de Cristo. Seria um império espiritual, construído com esforço pelo homem, que abandonaria o reino terreno para viver no divino. A pátria, como símbolo materno, liga-se à terra acolhedora e ao paraíso perdido (Éden) que concentra todas as possibilidades de satisfação dos desejos humanos. O Quinto Império remete para a unidade e perfeição: é uma hipótese de transformação e de purificação da Humanidade. Em última análise representa a relação harmoniosa entre o Homem e o mundo, entre este e Deus.
     O desaparecimento de D. Sebastião (1554-1578) significou, para o país, a perda da identidade nacional. Reencontrar um novo império, através de Portugal, seria a apropriação definitiva da essência do mito sebastianista.
     Assim, para Pessoa estavam criadas as condições para fazer de Portugal um Paraíso na Terra – o Quinto Império.

“E a nossa grande raça partirá em busca de uma Índia nova que não existe no espaço, em naves que são construídas «daquilo que os sonhos são feitos».”

Fernando Pessoa
“Temos felizmente o mito sebastianista com raízes profundas no passado e na alma portu-guesa. Nosso trabalho é pois mais fácil; não temos que criar um mito, senão que renová-lo.”

O número três é simbólico e em várias religiões a tríade representa a perfeição, tal como na religião católica:
Pai, Filho e Espírito. Santo. É também um número fundamental no esoterismo.

“Esta estrutura tripartida [da Mensagem] é simbólica. Com efeito, desenha-se aqui a história cíclica de um povo: o nascimento, o apogeu e a morte. Simplesmente a morte permite o ressurgimento das cinzas.”

António Borregana
“A vinda do encoberto iniciará um novo ciclo, o mais glorioso da nossa história – o Quinto Império. E quanto mais as coisas se degradam em Portugal, mais perto Fernando Pessoa vê a chegada do Salvador.”

O Quinto Império, segundo António Quadros
(ler o poema “O Quinto Império” na terceira parte de Mensagem)
Império Material
Império Espiritual
1º - Babilónia
2º - Medo-Persa
3º - Grécia
4º - Roma
5º - Inglaterra
1º - Grécia
2º - Roma
3º - Cristandade
4º - Europa
5º - (Portugal)

  António Quadros considera que Mensagem “é sem dúvida a obra-prima onde Pessoa (…) imprimiu o seu ideal patriótico, sebastianista e regenerador. É um poema nacional, uma versão moderna, espiritualista e profética de Os Lusíadas.”



quinta-feira, 10 de maio de 2018

FERNANDO PESSOA E HETERONÍMIA - APONTAMENTOS / NOTAS SOLTAS



APONTAMENTOS / NOTAS SOLTAS



TEXTO INICIAL…

A melhor proposta para a explicação da heteronímia é-nos dada pelo próprio F. Pessoa quando escreveu “o ponto central da minha personalidade como artista é que sou um poeta dramático; tenho, continuamente, em tudo quanto escrevo, a exaltação íntima do poeta e a despersonalização do dramaturgo. Voo outro – eis tudo.”
Na verdade, o poeta tem a capacidade de”voar outro”, ou seja, é capaz de construir pessoas inexistentes que sentem, como as pessoas reais, sensações e emoções ainda que diferentes das do seu criador. Este processo assemelha-se ao do ator quando representa as suas personagens, estando na sua origem a capacidade de se despersonalizar.
Pessoa transforma esta despersonalização dramática num modo de criação literária muito bem conseguido, em que cada personagem difere do seu criador, representando uma espécie de drama. Quando estão juntas, estas personagens formam um outro tipo de drama: o drama em gente.

NOTAS SOLTAS

É o profundo autoconhecimento de Pessoa que o leva a desejar ser outro, “Ser outro constantemente” revelando o “eu” fragmentado e revelando o drama de personalidade que o leva à dispersão do real e de si mesmo.
O poeta possui uma grande capacidade de despersonalização “Quantos sou?” e é na heteronímia – cria diferentes personalidades – que Pessoa encontra a possibilidade de exprimir estados de alma e consciência distintos.
Este processo de despersonalização faz dele um ser plural, em que pensar e sentir se harmonizam e assim melhor expressarem a apreensão da vida, do ser e do mundo, permitindo “sentir tudo de todas as maneiras”.
“’Por a alma não ter raízes’, Fernando Pessoa  pretende “viajar” no seu próprio ser, submetendo-se ao processo de outração, de modo a experienciar todas as possibilidades do “eu”. Indivíduo singular, Pessoa apresenta-se “múltiplo”, querendo exprimir o todo e abarcar a totalidade. É a fragmentação que lhe permite, então, ser “variamente outro” e alcançar a unidade.”
A fragmentação do “eu” pessoano resulta da constante procura de respostas para o enigma do ser, aliada à perda de identidade.
Pessoa vê-se confrontado com a sua pluralidade, ou seja, com diferentes “eu”, sem saber quem é nem se realmente existe. O “eu” nega-se como um todo.
Refere o “eu” lírico “Multipliquei-me, para me sentir”, encontrando, assim, a salvação na fragmentação, na vida inventada, em que cada um dos seus heterónimos exprime um novo modo de ser e uma visão própria do mundo.
Despersonalizando-se, o ”eu” desaparece, fazendo surgir a persona, isto é, a máscara.
No interior do poeta encontram-se vários “eu”. Enquanto ser múltiplo, Pessoa não consegue encontrar-se nem definir-se em nenhum deles, sendo incapaz de se reconhecer a si próprio – é um mero observador de si mesmo. Sofre a vida sendo incapaz de a viver.
No poema “Não sei quantas almas tenho”, o sujeito poético confessa a sua fragmentação em múltiplos “eu”, revelando a sua dor de pensar e a intelectualização do sentir. É esta última que o conduz através de um processo constante de autoanálise. Em dúvida e indefinido quanto à sua identidade, angustiado pelo autoconhecimento – “Por isso, alheio, vou lendo / como páginas meu ser” – é incapaz de viver a vida, mergulhando no tédio e na angústia existenciais.
Será através da fragmentação do “eu” que Fernando Pessoa tenta encontrar a totalidade de forma a conciliar o ato de pensar e o do sentir.


domingo, 1 de abril de 2018

"APARIÇÃO", VERGÍLIO FERREIRA - O ESPAÇO




O Espaço

Existem dois grandes espaços físicos na obra:
A aldeia, a montanha e o casarão - simbolicamente são o espaço da memória, da origem, da família e também da escrita e que se relacionam com as ideias de estabilidade e de segurança. Este espaço surge ligado à infância, à revelação, à paz.
Montanha – alta, vertical e próxima do céu, ela pode simbolizar a transcendência, estabelecendo a união entre o céu e a terra. Na medida em que é um local solitário, pode igualmente representar a solidão, o encontro connosco.
Casarão - é o espaço onde o narrador é confrontado com a morte como algo inevitável em momentos diferentes: primeiro, com a morte do cão Mondego, depois, com a do seu próprio pai e onde experimenta a primeira aparição. É também o espaço onde o narrador se reconcilia consigo mesmo através da escrita: é o espaço facilitador da memória e do reencontro da origem e da verdade onde passado e futuro se unem.

O Alentejo, a planície, Évora – representam o espaço da procura do “eu”, da aparição e também da tragédia. É o espaço terrestre ilimitado, horizontal.
Évora – as ruas de Évora simbolizam uma certa hostilidade, alguma indiferença que, por vezes, envolvem o narrador e a sua mensagem.
A cidade é mitificada, irreal, aberta à capacidade poética da aparição. O “eu” que a vê e sentindo-se angustiado, encontra nela o “espelho” de si mesmo. Ela não é, então, apenas o espaço mas enche-se de sentido simbólico, constituindo a síntese das inquietações e insatisfações das personagens.

sexta-feira, 30 de março de 2018

"APARIÇÃO", VERGÍLIO FERREIRA - AS PERSONAGENS




As Personagens

Alberto Soares
É o protagonista; procura compreender a realidade da sua existência.
Busca a descoberta da pessoa que há em cada um de nós e a revelação de si a si próprio.
Vive atormentado, sente a morte como “uma violência estúpida”.
Apesar da ligação a Sofia, Alberto, como existencialista, não crê no poder da paixão, mas considera o homem responsável pela sua paixão.
Falta-lhe a fé a que se refere o irmão Tomás, que não se preocupa com a vida nem com a morte pois vive bem no meio de ambas. Desafia Deus.
É o herói trágico da obra, um herói nobre, que desafia os deuses e a ordem instituída e que se dirige para um destino que lhe é fatal mas alheio a esse facto.
Existem indícios em Aparição que “preparam” este desfecho:
v a caracterização física de Sofia, sempre ligada à sensualidade pecaminosa, à sedução da carne, diabólica;
v a caracterização psicológica de Sofia, desafiando regras sociais estabelecidas e obedecendo apenas ao seu próprio código de comportamento;
v o modo como Alberto perturba os restantes ao assumir a morte de Deus e a necessidade de que o homem assuma a sua vida, a sua morte e a verdade da sua condição humana;
v Carolino interpreta de forma perversa a mensagem de Alberto ao defender que a divindade do homem reside no seu poder para destruir a vida.
Sofia
Criança difícil, desafia tudo e todos, as convenções sociais e morais e a própria vida, tentando o suicídio.
Leva até ao fim as consequências de estar no mundo. Prefere o absoluto da destruição – o episódio em que destrói todos os brinquedos porque a irmã parte uma perna a um.
É uma personagem lunar, noturna. Tudo nela é enigma, com comportamentos estranhos.
Alberto começa por conhecer Sofia através do pai, Dr. Moura. (Cap. 3)
Começa a dar-lhe lições de latim.
Têm uma relação íntima que traz a A.S. a quase marginalização não só na sociedade mas também no liceu.
A.S. vai de férias e quando regressa, sabe da relação entre Sofia e Carolino que, louco de ciúmes, tenta matar Alberto mas acaba por assassinar Sofia (Cap. 25) por considerá-la, enorme, grandiosa. Sofia pagou com a vida a sua ousadia.
O assassínio de Sofia é a Katastrophé (da tragédia grega) em Aparição e encontra-se inserida na ação principal.
Desafia a sociedade em que está inserida (a vida e mesmo a própria morte).

Ana
É a filha mais velha do Dr. Moura.
Aos olhos de Alberto, ela é grande. Parece aceitá-lo e compreendê-lo mas resiste à sua notícia “messiânica”. Alberto sente-se seduzido pela sua sabedoria.
É casada com Alfredo Cerqueira, homem honesto, prático e grosseiro.
Ana leu dois livros de A.S. e sente-se atraída pelas ideias existencialistas neles existentes. As verdades de um e de outro cruzam-se.
Angústia em Ana: face à fragilidade, as limitações da condição humana são para Ana o resultado de uma experiência, algo que não lhe permite ter filhos e a frustra. Sente-se infeliz e também humilhada pois o marido vê-a como um objeto que “possui” (Cap. 9) e só se preocupa com a herdade e não cuida da sua aparência nem da forma como fala. Todo o seu amor maternal é transferido para Cristina. Quando esta morre num desastre, o seu comportamento altera-se.
Recupera a paz de espírito adotando os dois filhos do Bailote.

Cristina
Tem 7 anos. Admirável, linda, toca piano na perfeição. É só arte. Não questiona a vida, revelando com a sua música um mundo harmonioso.
Inocente, é uma aparição maravilhosa e a sua música tem o dom da revelação; pura, parece não pertencer ao mundo terreno.
Através da morte, vai permitir a A.S. a exaltação integral da condição humana, “ter a evidência ácida do milagre do que sou, de como infinitamente é necessário que eu esteja vivo, e ver depois em fulgor que tenho de morrer.”

Carolino ou Bexiguinha
É importante nesta ação pois é ele quem assassina Sofia.
É fascinado pela morte como criação. Desafia Deus, tal como Alberto.



quarta-feira, 28 de março de 2018

"APARIÇÃO", VERGÍLIO FERREIRA - O NARRADOR




Em Aparição, o narrador tem uma dupla função:
- apresenta o mundo diegético (da história);
- é o protagonista da história que narra (os textos encontram-se escritos na 1ª pessoa; o narrador é autodiegético).
Ao utilizar a primeira pessoa anula a distância entre o narrador e o eu narrado. Apresenta uma problemática e tem uma missão a cumprir: a de dar conta aos outros da sua descoberta do mistério do eu, da condição mortal do homem e do seu apelo de infinito, da sua miséria e da sua grandeza, num mundo vazio de divindade.
O narratário tem estabelecido um pacto com o narrador. Este último recorda-nos a sua função de contar a história e do ato de escrever, como uma atitude de reflexão da narrativa sobre si mesmo o que equivale a dizer:
Aspeto inovador de Vergílio Ferreira – interrompe a história para refletir sobre o próprio ato de escrever e que é também uma característica da narrativa contemporânea.


segunda-feira, 26 de março de 2018

"APARIÇÃO", VERGÍLIO FERREIRA - ASPETOS GERAIS





Aparição, romance de Vergílio Ferreira, 1959.
É um romance de personagem. Tem dois objetivos: contar histórias e apresentar as reflexões que o autor vai expondo a propósito dele próprio, de outras personagens ou do mundo em geral.
Palavras do autor: este romance foi “a necessidade de ele se redescobrir e descobrir os limites da sua condição humana”.
O romance foi escrito na 1ª pessoa que discute teorias filosóficas relacionadas com o existencialismo.
Considere-se a divisão da obra em 3 partes:
1 – Prólogo;
2 – A história em si ao longo de 25 capítulos;
3 – Epílogo.
No prólogo, Alberto Soares, protagonista, encontra-se no presente e começa a refletir sobre a sua vida. (início do Cap. I, começa a contar-nos a história da sua vida – 1ª analepse).
Alberto conta a sua estadia em Évora e como durante essa época, igual a um ano letivo, ficou a lecionar nessa terra e conheceu pessoas com quem discutiu e aprofundou as suas teorias relacionadas com a existência, a procura da sua pessoa e da sua aparição.
Criou uma relação com Sofia, uma mulher dominadora e que deixou de lhe dar importância para se dedicar ao Bexiguinha, cujas ideias eram muito semelhantes às de Alberto.
Criou uma relação amor/ódio com Ana, irmã de Sofia. Discutiam sobre as teorias existenciais do autor, que ela valorizava ou desvalorizava ao mesmo tempo a lógica deste.
Ao longo da vida não se conhece se Ana gosta ou desgosta de Alberto. A razão é que o convida para a acompanhar e mostra-se contra as suas ideias.
No romance, Alberto questiona-se se certos personagens estão por ou contra ele, como Ana.
Uma outra personagem, irmã de Ana e de Sofia, é Cristina.
Cristina é uma criança, toca piano de forma admirável o que acalmava Alberto.

2ª analepse – o autor recorda-se de um passado ainda mais distante, relacionado com a família. Relata-nos como surgiram estas teorias filosóficas, sendo as mais importantes a morte do pai e a do seu cão.
Morte de outras personagens:
- Bailote – suicidou-se por ter perdido a fonte do seu rendimento, as suas mãos de semeador;
- Cristina – morre pois é perfeita de mais para viver neste mundo;
- Sofia – morre como castigo pelo mal que fizera aos outros;
- Bexiguinha + Ana – não conseguiram igualar os seus seres e desistiram [uma morte psicológica];

- Alberto – o herói que alcançou a sua aparição; é um alter-ego de Vergílio Ferreira pois se o autor escreveu sobre estas teorias, é porque também ele pensou nelas.
Ele é uma personagem que ocupa toda a obra e à volta da qual tudo gira.
Há um eu narrador, distanciado dos acontecimentos da narrativa, e um narrador-personagem auto e homodiegético, à volta do qual se movem as outras personagens. O eu narrador distante move-se num tempo posterior aos acontecimentos narrados.
Alberto Soares é simultaneamente a personagem central e o narrador do que lhe aconteceu em dois planos distintos, na sua aldeia e na cidade de Évora.
Existe uma ação principal que abrange a maior parte dos factos narrados, ligados a uma trágica revelação ou Aparição, no espaço citadino, e existe igualmente uma ação secundária, ligada ao espaço rural, que completa a ação principal (morte do pai).